sábado, 17 de outubro de 2009

metamorfose

"deixe estar
não seja
deixe de ser
esteja

Por que a gente vive de se criar só para se matar?"

Será que precisamos tanto assim de senhores que mesmo na ausência de qualquer outro patrão nos reprimimos a todo momento só para nos repor? Ou melhor, mesmo quando não há repressão, é o ápice de nossa servidão voluntária nossa prestação de serviços aos fantasmas que criamos e batizamos com nossos nomes.
E não estou falando de obedecer normas sociais, de valores ou qualquer outra coisa que possa compor algum superego. Não se trata da lei, da convivência com o outro, mas de nos fazermos outro e perdermos a vivência. O pensamento que suplanta a vida, como dizia meu professor de filosofia (na verdade, como critica Nietzsche), em que o pensar o mundo é mais importante que vivê-lo. Aliás, não só mais importante como dissociado.
A identidade que se afasta da atividade, quebrando a ponte da consciência. Se o mundo à nossa volta nunca é o mesmo ("tudo o que é sólido se dissolve no ar"), porque permanecemos os mesmos? Se nosso mundo muda, nossos atos mudam, da onde vem nossas obrigações de sermos o que somos. É porque somos assim...
Eu bem acho que 90% dos problemas da Psicologia teriam muito a ver com isso. E não falo nem da clínica, mas de tudo. Não digo que tudo seja resumido à esta dinâmica, mas que esta dinâmica esteja em tudo (ou quase) não vejo como negar.
Nos tormamos mercardoria de origem desconhecida, fetiche de nós mesmos em que nos alienamos de nossa produção reproduzindo as condições que nos tiram o que temos de mais humano: a mudança...
Sem mudança, sem fluxo, sem sangue. Morremos pelas nossas próprias mãos.

domingo, 11 de outubro de 2009

retorno

dai ele retornou à casa onde crescera. já faziam 20 anos que não cruzava aquele portão, mas viu uma bola de futebol deixada no gramado e pela janela uma bituca de cigarro ainda fumegava descansando no cinzeiro.
viu moleques descalços correndo e uma senhora que mexia a panela e olhava o relógio, mal sabendo que das horas que contava, poucas outras restavam por vir. como sentia saudade! mas não estava ali para buscá-la.
foi até o quarto e sentiu um cheiro de mofo, das coisas guardadas, trancadas em meio à umidade das lágrimas que nunca se viram libertas. inundavam por ali. estranhou como elas não haviam se alastrado pelo resto da casa
abriu o grande armário de madeira. viu suas roupas, casacos, sapatos. viu também alguns presentes, um estojo de desenho e um caderno de poemas.
os sapatos não calçavam. tinha a impressão que eram os calos dos muitos e longos caminhos percorridos que fizeram seu pé crescer até o ponto de não caber. os casacos não fechavam. o frio que já tinha passado grudara em seu corpo que não conseguia despi-lo. as calças não entravam, as camisas agarravam. nada mais cabia.
foi ai que viu que tudo que havia ido buscar, nada mais lhe servia.